22/04/2009

Rádio Maconde

Muito boa noite senhoras e senhores tele-ouvintes, bem vindos a mais uma emissão da

RÁDIO MACONDE - A RÁDIO DE TOUT LE MONDE!

Uma vez mais estamos de volta ao nosso espaço mensal onde procuramos divulgar novos valores do hip hop nacional, na nossa rubrica:

CATINGAS DA RUA

Desta feita com uma banda-revelação local, eleita como Kind Of Best Maconde Act Two Thousand and Whatever, a qual convidámos para virem contar-nos com as suas próprias palavras o seu percurso musical até ao momento. Vamos então conhecer a banda HipHoptenusa, e o seu álbum de estreia "Ângulo Rapto", à conversa com os seus dois rappers DJ MC Yôyô e Leidi Bitcha.

- Boa noite Leidi Bitcha, é um prazer e um orgulho tê-la no nosso espaço. Pelo que posso observar, o seu colega de banda DJ MC Yôyô ainda não chegô, perdão, chegou...
- Yô pipâl, tásse? Yá, o DJ não vai mesmo poder vir, teve um problema com o carro.
- Caros tele-ouvintes, como poderão compreender estes são sempre os imponderáveis dos directos pré-gravados...
Teremos que aguardar mais um pouco até à chegada do rapper DJ MC Yôyô, sendo que isso não impede que iniciemos a...
- Não brâder, ele não vai mesmo vir, ele teve um grande problema com o carro.
- Muito bem, decerto que isso não será impedimento para realizarmos a entrevista de qualquer dos modos. Leidi Bitcha, antes do mais os nossos tele-ouvintes gostariam de saber quais os concertos agendados para os próximos tempos...
- Foram todos cancelados, devido ao problema com o carro do DJ MC Yôyô.
- Como? Mas que problema é que ele teve com o carro, exactamente?
- Yô o problema é que o dono do carro apareceu de repente, e era, exactamente, bófia.

[silêncio, compasso de espera, jingle]:

Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, você nunca assa a virilha! Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, a pila nunca se encarquilha! Preservativos MARAVILHA!

- Ahhhh... Muito bem. Passemos então de imediato ao vosso álbum de estreia, "Ângulo Rapto". Qual foi o conceito por trás da sua criação?
- Yô nós pipâl do hip hop acreditamos bués no crossover de estilos, no experimentalismo de misturas, e nas palavras com bués da sílabas cujo significado desconhecemos, portanto tásse bem, decidimos expandir fronteiras e fazer assim tipo uma cena diferente.
- Quais são actualmente as vossas referências criativas?
- Yô nós estudámos na old school, assim tipo o infantário da música, portanto gostamos muito da banda da Gillette, os Pubic Enemy, mas também curtimos bués cenas de agora, tipo M&M, e outras cenas assim tipo Trip Hop, tipo Passive Attack. Assim tipo, yô.
- Como é que vêem o panorama actual do Hip Hop nacional?
- Yô vemos por cabo.
- Lá fora, já começam a ter reconhecimento?
- Só uma beca. O DJ MC Yôyô nunca consegue ir lá fora, porque nunca está cá fora, mas tásse bem. Como sempre dizemos, piss!
- Numa palavra, como é que definem a vossa banda?
- Yô.
- OK... Então e também numa palavra, como é que classificam o vosso álbum de estreia?
- Yô.
- Muito bem... uma expressão para definir a verdadeira essência do Hip Hop?
- Yô tásse.
- Quando ao vosso single de estreia, "À Média Luz", consideram ser este o tour de force do álbum? Qual o seu leitmotiv?
- Yô não sei que cenas estrangeiras são essas do tour de leite e do force motif; nós people do Hip Hop tuga, os brâders e as leidis, os B boys e as B bacas, nós tamos todos juntos in tha house p'ra defender a língua portuguesa. Chequiraute, in your face, língua portuguesa rula yô!
- Muito bem, mas o que é que nos pode adiantar sobre o vosso single?
- Yô o nosso singler foi assim uma cena tás a ver?

[O telémovel da Bitcha começa a tocar]

- Desculpa brâder, tenho que atender, é um regular.
- Mas mas...
- Estou sim? Olá querido. ... ... ... ... Sim, passa ao teu amigo, eu falo com ele. ... ... ... ... Sim, sou muito completa e meiga, higiénica, faço beijinho e dou segunda chance. O anal

[corta imediatamente para jingle]:

Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, até o céu da boca brilha! Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, marcha a avó, marcha a mãe e marcha a filha! Preservativos MARAVILHA!

- Sim, às nove. Adeus paixão. Pronto desculpa, onde é que nós íamos?
- ...
- A yá, o singler. Pá nós queríamos fazer uma cena diferente, assim tipo de fusão, então pensámos em convidar um amigo nosso, o Adolfo. Ao mesmo tempo quisemos fazer uma homenagem a um grande senhor do fandango, Carlos Jardel, e então surgiu isto, para dar a dica à juventude.
- Quererá talvez dizer Carlos Gardel, a lenda do tango?
- Yá esse dread mesmo.
- Quanto ao vosso convidado, o Adolfo, é também um rapper, ou antes um elemento de outra área do espectro musical?
- Népia, acho que a única cena que ele canta mesmo é nas claques de futebol.
- Como? Mas então, ele não está ligado ao Hip Hop?
- Não, ele não gosta, curte outras cenas.
- Será talvez um metalhead?
- Quase, o Adolfo é skinhead.

[compasso de espera]

- Vocês fizeram uma música Hip Hop em dueto com um skinhead?
- Yô! Fomos mais longe ainda! Eu, o DJ MC Yôyô e o Adolfo fizemos um trieto!
- Muito bem, vamos então ouvir os HipHoptenusa e a música "À Média Luz", o single de apresentação do novo albúm "Ângulo Rapto", aqui na:

RÁDIO MACONDE - A RÁDIO DE TOUT LE MONDE!

hoje patrocinada por:

Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, ninguém lhe larga a braguilha! Preservativos MARAVILHA - com preservativos MARAVILHA, até você leva na bilha! Preservativos MARAVILHA!



[DJ MC Yô Yô]

Yeahhhh ahã ahã
Yeahhhh yô yô chequiraute yô


[Leidi Bitcha]

Leidi Bitcha in the house,
Sempre a rapar no microfone,
Vou ganhar bué da papel,
Para botox e silicone.

Rapo contra o sistema,
Que faz de ti um banana,
Sou uma branca portuguesa,
Mas quero ser preta e americana.

Ataco o governo e a sociedade,
Ataco o político que é um fraco,
Ataco o patrão e o bófia,
E até em Monsanto eu ataco.

Somos o quadrado da HipHoptenusa,
Somamos o quadrado dos ghettos,
O meu decote dá-te tusa,
Mas aqui só chafurdam pretos.


[DJ MC Yô Yô]

À média luz te vi,
À média luz te amei,
E foi à média luz,
Que eu te abordei.

À média luz te vi,
À média luz te amei,
E foi à média luz,
Que eu te assaltei.


[Adolfo]

Yô yô uma merda,
Sieg Heil é que é,
Quando eu saio para a rua,
É para malhar no monhé.

Espanco preto, cigano ou chinês,
Espanco a criança e a velhota,
Até portugueses eu espanco,
Para provar que sou patriota.

Não sou fascista sou purista,
Não sou racista sou racialista,
Sou com o bastão extremista,
E com as palavras malabarista.

O meu ídolo é o Fuhrer,
Terá mil anos de fama,
E aquele bigodinho dele,
Parece a rata da minha dama.


[DJ MC Yô Yô]

À média luz te vi,
À média luz te amei,
E foi à média luz,
Que eu te chamei.

À média luz te vi,
À média luz te amei,
E foi à média luz,
Que eu te espanquei.


[Todos]

Basta de lutas e racismos,
Basta de não haver amor,
Vamos todos para o Bairro Alto,
Espalhar a ganza e o terror.

Yô vamos unir as tribos,
Vamos dar a dica à malta,
Vamos trabalhar juntos,
Um bate e o outro assalta.


[DJ MC Yô Yô]

Yô acredita! Piss!

18/04/2009

Crónicas de Maconde VIII: Epílogo

- Então o que é que acharam daquilo?
- Olhem eu estava aqui a pensar... lembram-se dos quatro cromos que depois se meteram a jogar à sueca?
- Sim.
- Sim.
- Sim.
- É que é assim: nós também somos quatro... Acham que daqui a uns anos vamos ser como eles?
- Epá se formos eu quero ser o gajo do swing!

Crónicas de Maconde VII

- São quatro minis se faz favor.
- Ora aí estão.
- Obrigado.
- Epá, eu acho que entretanto se calhar bebo outra coisa qualquer, um cocktail ou assim.
- Ai que pena, hoje não está cá o doutor, ele é que faz uns cocktails maravilhosos, daqueles finos, no shaker.
- Qual doutor? O ginecologista?
- Sim, o Dr. Rudolfo Dias, aquele do nome muito batido.
- Epá por acaso... ao menos que ele fosse brasileiro e se chamasse Romeu Cloé Tóris, ficava melhor.
- Curioso, no outro dia esteve cá um sujeito que não se calava com isso do clítoris... foi um caso insólito.
- Sr. Martins, há por cá muitos casos insólitos, não há?
- Não, nem por isso, por que é que pergunta?
- Nada, nada.
- Então e os senhores estão a gostar de cá estar? Chegaram a ver o castelo?
- Qual castelo? Aquele monte arraçado de estufa fria? Aquela cárie na morfologia de Maconde?
- Bem sei, bem sei.... mas ainda assim é o nosso castelo, e temos orgulho e paixão por ele. Sabe, Maconde é uma terra de muita paixão. Tanto que algumas pessoas, por brincadeira, até costumam dizer "à falta de soluções, paixões." É a tal coisa, quando só há paixão, vai à mão. Bem, ao menos gostam do meu estabelecimento?
- Ah, o espaço é muito agradável!
- O Favaios é só um euro!
- É botassar!
- Não dá para passar só um bocadinho de rock?
- Hmmmm.... com esse cabelo e a pedir rock... estou a ver, você é daqueles malucos que andam por lá aos saltos nos concertos da pesada, não é?
- Só sempre que posso, de resto nem por isso.

Tinha chegado a hora de irmos embora. Fizemos contas, bebemos um Favaios oferecido pelo Sr. Martins, e estávamos quase a sair quando subitamente, no velho televisor a um canto da taberna, vimos o seguinte:

NOTÍCIAS DE ÚLTIMA HORA: ESCÂNDALO EM MACONDE

Boa noite senhores telespectadores, estamos em directo a partir de Maconde, onde um homem se barricou no confessionário da igreja local, na sequência de buscas efectuadas em sua casa pela Polícia Judiciária.
Conseguimos apurar que foi feita uma denúncia anónima, sugerindo que a sua filha mai nova estaria a sofrer abusos sexuais por parte do padre local, entretanto detido pela Polícia Judiciária e retido nos seus calabouços. Ou mais correctamente, numa cela vulgar, dado que apenas a um VIP nos dignamos associar a palavra calabouço.
Pelo que pudemos apurar, o indivíduo está na posse de uma arma não identificada com, e cito, "mira laser". Sabemos ainda que a sua filha mai velha foi detida por prostituição, e que o seu do mei está neste preciso momento a ser interrogado, por suspeita de tráfico de droga.
A população local está em choque, principalmente devido às acusações de abuso sexual

- Pinto da Costa é o meu pai! Pinto da Costa é o meu pai!

cometidas pelo padre local, sendo que é visível um sentimento de incredulidade e consternação geral. Seguimos de imediato para o interior da igreja, onde tentaremos obter um depoimento do homem, Aureliano de seu nome, visivelmente perturbado com o desenrolar dos acontecimentos.

Senhor Aureliano, estamos em directo para o canal televisivo LOL. O que nos pode dizer nesta altura?

-Ai mãe! Ai mãe! Ai a minha vida! Aaaaaaaai a minha vida! A vida vai torta, jamais se endireita! Desarredem! Desarredem, senão eu clico-vos a todos! A todos, ouviram?

Senhores telespectadores, foi o testemunho possível neste momento. Aguardamos ainda uma declaração do presidente da Câmara local, dado que apesar dos nossos melhores esforços não conseguimos até ao presente obter uma declaração, devido ao adiantado da hora. São neste momento precisamente

17/04/2009

Crónicas de Maconde VI

- São quatro minis se faz favor.
- Sim senhor. Ouçam lá, por acaso não fazem ideia de quantas é que já pediram?
- Hmmm.... Assim de repente... não sei, talvez o gajo dos déjà vus tenha visto... senão pergunte ao gago, que ele lembra-se de certeza. Epá espere lá, ao gajo dos déjà vus não, senão pagamos aí o triplo! Pergunte ao gago!
- Ouça lá, você está a gozar comigo?
- Não, não, estava só a brincar, não leve a mal.
- Tudo bem....

Já só estávamos nós ao balcão. Um a um, os quatro homens tinham ido para perto do velho televisor a um canto da taberna, sentando-se na mesa mais próxima. Subitamente, um deles voltou-se para trás e gritou:
- Ó Martins! Traz aí quatro tintos e um baralho de cartas, vamos jogar uma suecada!
- Olhó-lhó-lhó-lhó-lhó... vamos ter festa outra vez...
- Então, aqui não se pode jogar?
- Não é isso; aqueles quatro andam sempre a inventar, é um caso insólito. Há uns tempos foi o chinquilho. O Quim ainda anda a pagar ao Branco dois painéis laterais do carro dele.
- Eia! Então mas ele conseguiu abrasar dois painéis de um carro com a malha?
- Não, só um. Ele é que lá achou que já tinha feito aquilo antes, e jurou a pé juntos que se lembrava perfeitamente de que não tinha pago... e meter-lhe na cabeça o contrário?

Enquanto o Sr. Martins levava as cartas e os copos para a mesa, decidimos ir ver e meter conversa.

- Então os senhores vão jogar uma suecada? Muito bem! Então e quais são as equipas?
- Quim Tonico, Martinho Branco.
- O quê? Lindo! OK, então nós jogamos a seguir. A nossas equipas são Bacardi Lemon, Moscatel Favaios!
- Está bem, está bem, jogam a seguir. Então quem é que baralha?
- Epá baralha o Branco, que ele é que é o perito em trocar as biscas de um lado para o outro!
- Ai tanta piada que tu tens, vês? Ao menos quando é para fazeres gracinhas nunca te dá um déjà vu, não é meu ranhoso?
- Então em inglês é o mesmo, toda a gente sabe isso.
- Olha lá ó palhaço, não estarás a confundir swing e shuffle?
- Sh-sh-sh-sh-shhhhhhhh-shhhhhh-shhhhhhhhhhuffff-f-f-f-f-f-f-le???? O-o-o-o-o-o-o-o vaivem vaivem vaivem vaivem vaivem vaivem vaivem vaivem vaivem espe-pe-pe-pe-pe-pe-pe-pe-cial?
- Outro! Ouve lá ó cromo, isso é shuttle e não shuffle, e é espacial, e não especial. Vai-vem especial faziam todos os gajos cá da terra em casa da tua mãe, ouviste?
- Epá pronto, não se peguem, julgo que isso não é bom... calhando também não é mau, mas pronto, antes assim que pior, julgo eu.
- O que é que é trunfo?
- É-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é-é..... éééééééé..... hmmmmmm........ c-c-c-c-c-c-c-c-c-c-c ...alho!
- Hã? Ah, estou a ver, é paus. OK, quem é que joga primeiro?
- Julgo que sou eu. Pelo menos acho que sim, parece-me. Têm a certeza que sou eu?
- Opá és, joga.
- Sim, só um segundo, estou a escolher a melhor maneira de arrumar as cartas, julgo que já estou a ver mais ou menos a melhor maneira de o fazer, ou por outra, não há de ser a pior, julgo.
- Vá então arruma isso. Epá querem ver uma boa? Ó Tonico, ainda te lembras das regras?
- S-s-s-s-s-s-s-s-s-sssssssssssssssss-sim. Só n-n-n-n-n-n-n-não-não-não-não-não-não-não-não-não me lembro-bro-bro-bro-bro-bro-bro-bro é do-do-do-do-do-do-do do t-t-t-t-t-t-t-ttttttttttttt...
- Do trunfo? Ó Quim, mas tu estás a ver este gajo?
- Oh, ainda à bocadinho isto aconteceu, acabei de me lembrar disso... já não estou a ver isto com bons olhos, essa é que é essa.
- Tonico, o trunfo é paus, percebeste? Paus. Paus. PAUS!!!!!
- N-n-n-n-n-ão, não não não não não me lembbbbbb-bbbbb-bbbbb-bbbbb-bbbbbro é do-do-do-do-do-do-do-do-do tip-p-p-p-p-p-p-p-o de jogo-go-go-go-go-go-go-go-go-go-go-go.
- Opá porra! É sueca! SUECA!
- Então mas jogamos ou não?
- Sim vai. Martinho, joga. Já viste que horas é que são?
- Boa! Que horas são? - Perguntei eu imediatamente.
- São agora exactamente horas deste animal jogar.
- Só um momento, julgo que já estou pronto, acho que só me falta decidir a carta.
- Vai, joga mas é.
...
...
...
- Martinho, joga.
- Calma.
- Martinho..... joga.....
...
- Martinho?
...
- Martinho?
...
- Martinho, olha...
- O quê?
- JOGA MERDA!
- Epá calma, não me quero precipitar.
- Epá isto assim não dá, eu quero trocar de parceiro!
- Olha porra para ti mais as trocas de parceiros! É que não dás descanso!

Ai, estes quatro, estes quatro..... mas vocês acham que eles vão conseguir jogar alguma coisa?
- OK.... olhe, são quatro minis se faz favor.

05/04/2009

Crónicas de Maconde V

- São quatro minis se faz favor.
- Aí estão, façam favor.
- Obrigado. Sr. Martins, então e Maconde é uma terra que tem crescido?
- Pouco. Às vezes ouve-se falar numa coisa ou outra, mas é raro depois algo ir para a frente. Agora é o TGV. Parece que vai passar cá perto.
- Boa! Então mas isso é positivo, não?
- Talvez, depende do projecto. Umas das hipóteses é o traçado Lisboa - Maconde - Madrid. Outra hipótese implica pelo menos quatro estações nos primeiros cento e pouco quilómetros, Maconde incluída. Essa é aquela que eu gosto mais.
- Ah sim? Então e porquê?
- Então, porque era bom para o país, ficávamos com um aeroporto internacional e com um TGV regional, toda a gente ficava servida. E eu até já dei a ideia de se fazer um novo hino cá para a terra; ora ouça lá esta entrada:

"Quem passa
pelo apeadeiro de Maconde,
não passa
sem perguntar: -Adonde?!?"

Mas não acredito que vá para a frente. E toda a gente anda com medo.
- Medo de quê?
- Sabe, há pouco tempo tivemos cá uma Feira da Ciência e da Tecnologia. Resultado: no dia da abertura, a nossa subestação eléctrica ardeu. Agora imagine um TGV sempre para trás e para a frente. Era bonito! Tanto que algumas pessoas, por brincadeira, agora até costumam dizer "Antes uma subestação eléctrica que uma superstição eléctrica".

Entretanto, continuava sem saber as horas. Resolvi tentar outra vez, e virei-me para o homem ao meu lado:
- Desculpe, o senhor pode dizer-me que horas são?
- Não, não posso. Não tenho relógio, quero que se lixem os relógios, tenho ódio a relógios, quero mais é que os relógios vão todos para o inferno.
Tendo dito isto, o homem afastou-se de nós para perto do velho televisor a um canto da taberna. Virei-me de novo para o balcão e para o Sr. Martins.
- OK... o que é que foi agora?
- Ah, o Branco... pobre coitado. É um caso insólito.
- Sim........?
- Ele era casado. Ele e a mulher eram o par perfeito, amavam-se infinitamente, eram apontados por toda a gente como um exemplo. Mas sabe, eles faziam swing, e eram felizes assim.
Uma vez, durante uma sessão de swing, no fim, o relógio dele adiantou-se e então ele foi ter com a mulher antes da hora marcada. Apanhou-a no quarto, sozinha e toda vestida... Não suportou. Passado pouco tempo, divorciaram-se. Mas ele é bom rapaz, tem é a vida feita num tormento... acho que agora a maioria das pessoas não aguentava trocar com ele.
- OK.... olhe, são quatro minis se faz favor.

01/04/2009

Crónicas de Maconde IV

- São quatro minis se faz favor.
- ... Fresquinhas!
- Obrigado. Sr. Martins, então e a juventude? Maconde é uma terra com muitos jovens?
- Há alguns, há alguns. Sabe que isto é uma terra de artistas! Principalmente músicos. Bem, principalmente artistas, mas alguns são músicos. Alguns até já foram tocar a festivais e tudo.
- Epá mas isso é excelente; por acaso nós quatro somos todos profundos apreciadores de música, cada um à sua maneira. Então mas existem cá muitas bandas?
- Umas quantas. Faz-se cá qualquer coisa, tanto que algumas pessoas, por brincadeira, até chamam a isto Madconde.
- Madconde? Como em "Madchester"? Epá mas então isso é formidável! Quer dizer que vocês têm cá uma cena musical fervilhante, com bandas capazes de influenciar toda uma geração, e criar uma sonoridade inovadora com um impacto internacional duradouro, dando centenas de concertos e vendendo milhões de álbuns em todo o mundo?
- Ouça lá, você já bebeu de mais não já?
- Não, não, esqueça, estava a sonhar.

Entretanto, continuava sem saber as horas. Resolvi tentar outra vez, e virei-me para o homem ao meu lado:
- Desculpe, o senhor pode dizer-me que horas são?
- Julgo que sim, deixe-me verificar... olhe, julgo que não tenho o relógio comigo. Eventualmente deixei-o em casa, ou então no carro. Em casa ou no carro. Mas deixe-me confirmar, talvez esteja num dos bolsos do casaco.

Bem, talvez fosse agora que ia conseguir saber as horas. Resolvi meter conversa com ele.

- Obrigado, agradeço. Já agora, o senhor chama-se...?
- Pedro Manuel Martinho, prazer em conhecê-lo. Pedro Manuel. Pedro. Manuel. Pedro ou Manuel.
- Então como é que prefere, Pedro ou Manuel?
- Pode ser.
- Hmmmm ok. Então e o senhor é de cá de Maconde?
- Julgo poder dizer que sou.
- Nós estamos só de visita. O que é que o senhor acha de Maconde? Gosta de viver cá?
- Jugo que é relativo. Nem sim nem não, antes pelo contrário. E vice-versa. Lastimo, mas tenho mesmo a suspeita que perdi o relógio. Julgo que não o deixei em casa mas duvido que o tenha deixado no carro.
- Então mas tem mesmo a certeza que o perdeu? Já viu os bolsos todos?
- Julgo que sim. Em princípio talvez. Tudo depende. Julgo eu.

Tendo dito isto, o homem afastou-se de nós para perto do velho televisor a um canto da taberna. Virei-me de novo para o balcão e para o Sr. Martins.
- Isto definitivamente não está a correr bem... Sr. Martins, aquele homem é assim um bocadinho a dar para o indeciso, não é?
- Quem, o Sr. Dr. Juiz Martinho?
- O QUEM?!?
- Martinho. Então mas ele disse-lhe o nome, certo?
- Juiz... ele é juiz...
- Oh, isto não foi nada. Havia de o ter visto no dia em que se casou, quando o padre lhe perguntou se aceitava... É um caso insólito. Mas ele é bom rapaz, nunca faz juízos de valor a ninguém.
- OK.... olhe, são quatro minis se faz favor.