09/02/2009

O removedor de lint

Ofereceram uma máquina de tirar borboto à minha namorada. A máquina funciona muito bem mesmo, e a relação qualidade/preço é virtualmente imbatível.

Gostaria contudo de partilhar com todos vós as instruções de uso. Cidadania não é só irmos votar no partido em que se vota lá em casa, ou mandarmos o pantufinhas apenas quando aquela senhora idosa já saiu do elevador (ou seja, desperdiçar o bode expiatório perfeito); cidadania é também sabermos operar eficazmente as máquinas de tirar borboto. Conseguem imaginar um mundo sem borboto? Um mundo sem aquelas bolinhas irritantes feitas de fibra que fazem com que a nossa camisola recém comprada nos ciganos se pareça com as que custam centenas de Euros na loja?

Aliás, imaginem um mundo no qual poderíamos remover outras coisas como se de borbotos se tratasse. Assim tipo uma máquina gigante que pudesse remover do palácio de São Bento todas aquelas bolinhas irritantes feitas de deputados sem fibra. Bom, mas eu vim falar-vos de borboto, e não de ácaros.

Assim, sem mais demora, transcrevo letra por letra a lista de notas sobre a utilização da tal máquina (garanto-vos que estou a transcrever letra por letra o que está impresso na caixa):


Removedor de lint - notas:

- Não seja aplicável a face ou axillae.

- Esparrame no objecto de prato e estire as rugas por remover para proteger a textura.

- Não aperte difícil de evitar danificar a textura.

- Feche fora enquanto desmontando as lâminas.

- Não aperte duro por causa da lâmina externa magra.

- Conforme a situação usando, limpe a lâmina e coletor de lint.

- Opere debaixo da condição às 0-40, enquanto mantendo a capacidade de bateria.

- Mantenha do alcance de crianças do lado de fora.



Deixo-vos ainda com uma nota sobre o correcto modo de limpeza do removedor de lint:

- Limpe o guardião de rebanhos antes de fosse oitenta por cento cheio.




Confesso que quanto mais leio isto, mais me convenço que ouve um erro monstruoso, e estamos de facto perante uma versão menor de um qualquer manual de sexualidade, versão Martim Moniz. Como se fosse um diálogo entre pai e filho, mãe e filha. Traduzindo:


- Não seja aplicável a face ou axillae.
Quando chegar a altura, vê lá para onde é que apontas isso.

- Esparrame no objecto de prato e estire as rugas por remover para proteger a textura.
Referência aos três pratos, em versão terceira idade, quando a pele se encontra já enrugada mas contudo mimosa; reforça a necessidade de pontaria certeira mencionada no ponto anterior.

- Não aperte difícil de evitar danificar a textura.
Eu sei que é difícil ter cuidado com os dentes, mas mete os lábios mais para dentro que isso assim arranha.

- Feche fora enquanto desmontando as lâminas.
A depilação da zona genital deve ser um acto privado. E frequente.

- Não aperte duro por causa da lâmina externa magra.
O mais importante no sexo anal é o relaxe.

- Conforme a situação usando, limpe a lâmina e coletor de lint.
Passar abruptamente do sexo anal para o vaginal é muito, mas muito porco, portanto tratar sempre da higiene e trocar o preservativo.

- Opere debaixo da condição às 0-40, enquanto mantendo a capacidade de bateria.
Honestamente, não sei. Mas pelos vistos algo importante vai acontecer à meia-noite e quarenta, portanto vai com calma para não te ires abaixo das canetas antes da hora.

- Mantenha do alcance de crianças do lado de fora.
Descer sempre os estores antes de qualquer acto de intimidade; se os putos querem cinema à borla, peguem no Magalhães e desenrasquem-se sozinhos na Internet.



Deixo-vos ainda com uma nota sobre o correcto modo de limpeza do removedor de lint:

- Limpe o guardião de rebanhos antes de fosse oitenta por cento cheio.

Muito estranho. Não o guardião, mas antes "O Guardador de Rebanhos" é um conjunto de 49 poemas de Alberto Caeiro. Ora "oitenta por cento" de 49 dá, aproximadamente, 39. Deixo-vos então com esse poema. Possui uma sabedoria serena que pode descodificar bem melhor que eu todas as ideias ocultas nas instruções do removedor de lint.

XXXIX
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

1 comentário:

marluz disse...

OMFG!!!!

Como sempre te disse, acho os teus comentários melhores que os dos Gato Fedorento.

Tenho a certeza que vou adorar ler este blogue do qual sou desde já admiradora número 1.

Aqui deixo os meus votos de crescimento para o mesmo, e continuação de inspiração para todos os seus autores.